Carta de uma idosa com Alzheimer


 Carta de uma idosa com demência avançada para todos os cuidadores


Tenha certeza. Se eu pudesse escolher não estaria aqui totalmente dependente para fazer as coisas. Eu estaria andando por aí como sempre fiz, cuidando das minhas coisas, da minha família, casa, comida, roupas e tudo.

Eu estaria tomando meu banho pela manhã, passando meus cremes no rosto e corpo, ajeitando meus cabelos, conferindo se meus dentes estavam bem limpinhos.  

Se eu pudesse escolher, estaria me alimentando sozinha, na quantidade e frequência que eu me sinto bem e com o que eu gosto.

Jamais dormiria durante o dia, porque sempre teria alguma coisa para fazer. Alguém para visitar. Alguém em casa para almoçar, lanchar e/ou dormir. Sempre.

Se eu pudesse escolher, eu estaria falando o que quero e preciso. Não estaria gritando nem beliscando. Esta não sou eu. Gritar e beliscar são apenas formas que eu encontro de manifestar minha raiva por não conseguir me expressar. Porque eu sempre fui muito comunicativa e, não conseguir falar, é algo que me incomoda muito.

Se eu pudesse falar, eu pediria respeito, carinho e compreensão. Pediria ajuda para compreender meus pensamentos tão confusos. Pediria amor, porque embora eu esteja confusa com tudo, eu sinto. Eu continuo sentindo tudo. Sentindo no meu corpo, sentindo na minha alma e coração.

Eu pediria para me segurar com jeito, para me manipular com carinho, porque meu corpo já está fraco, minha pele muito sensível. Mas eu continuo sentindo. Sinto dores, desconfortos, canso de ficar na mesma posição. Se coloque no meu lugar e reflita: vocês que têm bem menos idade que eu sentem dores pelo corpo, cabeça e tal. Imaginem eu.

Eu pediria para conversar comigo, contar casos, cantar músicas, contar estórias. Porque minha "cabeça", embora confusa, ainda pensa e, com sua ajuda, relembra de um passado maravilhoso. Isso me faz tão bem. Eu também gosto de me ocupar com atividades que despertam este meu "pensar", quando eu escrevo por exemplo. Para você saber se estou gostando de alguma coisa, basta observar minhas sobrancelhas - elas ficam arqueadas quando estou interessada.

Eu pediria também para não me tratar como criança, pois eu sei que não sou criança.

Tenha certeza. Se eu pudesse escolher não escolheria passar pelo que eu passo todos os dias.

E se eu pudesse falar eu diria coisas surpreendentes para você. Para todos. Alguns ficariam felizes com o que eu diria, outros ficariam tristes. 

Mas eu não posso mais escolher. Eu não posso mais falar...

Então, por favor, se você puder, faça apenas o mínimo: apenas me respeite como um ser humano, uma filha, uma esposa, uma mãe, uma avó, uma bisavó. 

Me ajude a ter paz, alegrias e não me maltrate.

Me olhe e me veja como alguém que tem vida, sentimentos. 

Eu não sou uma boneca.

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